“Quem mantém a floresta viva não precisa de volume morto”, é o lema do município de Extrema – MG, no pé da Serra da Mantiqueira.
A reportagem especial publicada no programa Globo Rural mostra o trabalho de restauração florestal em topo de morro – ponto de recarga das águas nas montanhas – e mostra como se tem recuperado as nascentes e o volume da água que abastece a área brasileira mais populosa, entre Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro.
Assista aqui o vídeo com trecho da reportagem: http://globotv.globo.com/rede-globo/globo-rural/v/aguas-da-mantiqueira-abastecem-a-regiao-mais-populosa-do-pais/4495476/
Águas da Mantiqueira abastecem a região mais populosa do país
Matéria de Globo Rural publicada em 27/9/2015
Serra tem características como clima e tipo de rocha.
Fatores transformam a região em fonte de água pura.
O nome Mantiqueira vem dos índios. Falavam amantikir e mantiquira, que tem traduções diversas, mas todas ligadas à água. É a “morada das nuvens”, “abrigo das nascentes”, “serra que chora”. Há muito tempo se sabe que a serra é uma imensa caixa d´água, de onde brotam inúmeros rios importantes como o Aiuruoca, o Rio Grande, formador do Paraná; escorrem afluentes do Paraíba do Sul, que vai para o Rio de Janeiro; e, exemplo mais momentoso, o Jaguari, o principal veio do Sistema Cantareira, que teve que ser explorado até o nível do volume morto para garantir o abastecimento da capital paulista.
“Quem mantém a floresta viva não precisa do volume morto”. Este é o lema de Extrema, Mantiqueira de Minas Gerais, de onde escoam as nascentes do Rio Jaguari, que abastece boa parte da população de São Paulo. Extrema foi o primeiro município brasileiro a patrocinar a restauração florestal em topo de morro, ponto de recarga das águas nas montanhas. Uma turma planta espécies nativas em um pasto entre dois fragmentos de mata. Em pouco tempo, a clareira estará coberta de árvores novamente, recompondo a floresta original.
O programa de conservação de água coordenado há dez anos pelo biólogo Paulo Henrique Pereira, secretário de Meio Ambiente de Extrema, virou modelo mundial e já recebeu premiado da Organização das Nações Unidas – ONU. “Nós entendemos o agricultor como produtor de água e remuneramos ele por isso”, diz.
Com modesto apoio governamental federal e estadual de Minas Gerais, sem nenhuma ajuda de São Paulo, contando mais com recursos do município e de ONG, Extrema já conseguiu recuperar sete mil hectares com o plantio de um milhão de árvores.
O promotor aposentado Jordão Nunes recebe como produtor de água R$ 1,8 mil por mês. De uma área de 109 hectares, tem 82 reflorestados. Em 20 anos, a vazão das vertentes aumentou 20 vezes. “Quando eu adquiri o imóvel eram três mil litros por hora. Depois de cinco anos, eu mensurei a vazão e constatei 28 mil litros. Agora, eu estimo 60 mil litros por hora”, diz.
Pelos critérios da ONU, o tanto de água que brota na propriedade de Jordão Nunes dá para atender cerca de dez mil pessoas, população de um bairro inteiro em São Paulo, por exemplo.
A experiência de Extrema se insere em um quadro de toporeabilitação. A Mantiqueira já foi intensamente explorada nos últimos séculos. Mas a situação já foi muito pior. Edgar Andrade Júnior é gestor de um conjunto de unidades de conservação que tem o nome de Mosaico Mantiqueira. “A grande importância é não ter fronteiras. Estamos em três estados ao mesmo tempo”, diz.
O Mosaico Mantiqueira é formado por vários tipos de unidades de conservação federais, estaduais, municipais e mais RPPNs, as reservas particulares. Há, por exemplo, as Áreas de Preservação Ambiental – APAs. Tem a APA Mantiqueira, a APA Fernão Dias e assim por diante.
Ao todo, o mosaico abrange 38 municípios e ocupa uma área de 730 mil hectares. Deste quadro, é possível ver a evolução da Floresta Nacional de Passa Quatro – Flona. O álbum de retratos dos anos 40 e 50 mostra que as matas nativas já tinham sido toradas e as rochas estavam aparentes. Hoje, a Flona é um território recuperado. Nele se destaca a araucária, pinheiro que representa não só o Paraná, Santa Catarina e o Rio Grande do Sul, mas, também as terras altas da Mantiqueira. Estima-se que atualmente a cobertura de vegetação nativa na Mantiqueira seja 30% maior que quatro décadas atrás. A fauna agradece.
A Flona fica aos pés da serra fina, onde se localiza o ponto mais alto da Mantiqueira. A Pedra da Mina, com 2.797, fica ao lado do segundo ponto mais alto: o Pico das Agulhas Negras, já dentro do Parque Nacional de Itatiaia, cujo cenário convida a uma viagem no tempo.
A formação da Serra da Mantiqueira foi um fato geológico de impacto mundial. Resultado da acomodação dos continentes primordiais ao redor do planeta. “Isso aconteceu há mais de três bilhões de anos, nos primórdios da evolução da crosta terrestre. Naquela época, a Terra ainda em fogo começou a formar pequenos continentes. Esses continentes se chocaram formando um único continente que chama-se Gondwana. Neste choque formou-se uma cordilheira de montanha coincide hoje com a linha litorânea do Brasil”, explica doutor em geologia Newton Litwinsk.
Segundo o professor Litwinski, quando os continentes começaram a se separar, há cerca de 900 milhões de anos, essa cordilheira ancestral ficou no ponto de ruptura entre o que veio a ser a África e a América do Sul. Era do tamanho do Himalaia, dos Andes hoje. Passava dos sete mil metros de altitude. Muito tempo depois, há cerca de 60 milhões de anos, após vários soerguimentos, a cordilheira se partiu em duas dando origem, de um lado, à serra do mar; e, do outro, à serra da Mantiqueira.
As rochas são de tipos diversos, mas o conjunto geológico tem uma característica própria: ele é trincado. Facilmente, nas pedras expostas, é possível ver as fraturas. Isso ocorre também dentro das montanhas. De modo que quando chove a água se infiltra rápido. Mas, a caixa d´água que é a Mantiqueira é como se fosse uma caixa furada. Como dizem os especialistas, é um aquífero fraturado. Por um lado, isso pode ser ruim. É um depósito que se esvazia rápido. Por outro, confere à água da Mantiqueira uma qualidade única. É uma água jovem, que está sendo constantemente renovada.
O produtor de leite Jairo Costa é um dos vizinhos da Flona, do Picu, da Pedra da Mina e também uma referência no município de Passo Quatro. Mesmo aos 93 anos acorda às 5hs para tirar leite e anda parte do dia a cavalo percorrendo os 800 hectares de pasto que formou. Ele é tido como exemplo de respeito à serra: manteve matas nativas em mais de 30% das terras dele muito antes que qualquer lei obrigasse.
Como fazer parte desse projeto.